O efeito invisível da operação Contenção: segurança zerada no Rio

Enquanto as câmeras focavam nos blindados e nos tiroteios nos complexos da Penha e do Alemão, um efeito colateral pouco notado se espalhava pelo Rio de Janeiro: um vácuo de policiamento que, segundo especialistas, deixou entre 3 e 5 milhões de moradores da região metropolitana sem a proteção diária de patrulhas regulares. O dado não aparece nos boletins oficiais, mas foi exposto por uma professora de segurança pública ao afirmar que, para manter 2,5 mil agentes em campo durante a Operação Contenção, seria necessário deslocar de 7,5 mil a 10 mil policiais das ruas — três turnos inteiros que costumam cobrir áreas fora do foco da operação.
O “apagão” de segurança que ninguém filmou
O Rio de Janeiro acordou na terça-feira (28) com helicópteros sobrevoando favelas e, ao longo do dia, tomou ciência de números que chocam: 64 mortos — entre eles quatro policiais —, 81 presos e 93 fuzis apreendidos. O que as estatísticas oficiais não mostram é onde esses 2,5 mil agentes estavam antes. Para garantir 24 horas de presença no terreno, é preciso triplicar o efetivo. Essa matemática operacional, descrita por uma pesquisadora do tema, indica que bairros distantes dos complexos tiveram suas patrulhas reduzidas ou anuladas.
Em outras palavras, enquanto uma parte da cidade testemunhava um confronto histórico, outra parte foi entregue à própria sorte. Esse “apagão” de segurança raramente entra na conta pública, mas seu impacto aparece nos relatos de moradores que viram postos policiais vazios, viaturas ausentes e tempo de resposta maior para chamados de emergência.
Trânsito travado e serviços suspensos: a economia sente primeiro
O deslocamento de efetivo não foi o único efeito colateral. A operação fechou escolas, postos de saúde e estabelecimentos comerciais, além de paralisar as principais vias — Linha Amarela, Linha Vermelha e Avenida Brasil. Milhares de trabalhadores não chegaram ao emprego e mercadorias deixaram de circular. Uma análise de mercado indica que, quando eixos logísticos são bloqueados, o prejuízo se multiplica no comércio, no transporte de cargas e no setor de serviços.
Esse encadeamento afeta, sobretudo, as populações mais vulneráveis, alertou um professor de ciências sociais. Sem aulas e sem atendimento básico, famílias perdem não apenas renda, mas acesso a direitos elementares. O resultado é um ciclo que combina retração econômica com sensação ampliada de insegurança.
Por que o crime organizado agradece nas brechas
A justificativa oficial para a Operação Contenção era conter a expansão territorial de uma facção que hoje responde por pouco mais da metade das áreas controladas pelo crime no Grande Rio. No entanto, especialistas argumentam que ações centradas em confronto armado tendem a fortalecer, e não enfraquecer, essas estruturas. O raciocínio é simples: cada vez que o Estado se retira de um bairro para concentrar forças em outro, cria uma janela de oportunidade para grupos ilegais avançarem às margens.
Além disso, organizações como o Instituto Fogo Cruzado defendem que o verdadeiro combate ao crime organizado passa por atacar fluxos financeiros, investigar lavagem de dinheiro e fortalecer corregedorias independentes. Sem essas frentes, a lógica do “enfrentamento” pontual apenas aumenta o custo humano — como comprovam as 64 mortes registradas, tornando a ação a mais letal da história fluminense.
Qual é a saída? Alternativas que especialistas defendem
Vozes da academia e da sociedade civil convergem em quatro frentes estratégicas:
- Investigação financeira rigorosa: seguir o dinheiro para sufocar a capacidade de expansão das facções.
- Presença permanente e qualificada: patrulhamento comunitário que dispute “palmo a palmo” o território, reduzindo vacos de poder.
- Corregedorias independentes: mecanismos de controle que diminuam a corrupção interna e rompam laços entre Estado e crime.
- Políticas sociais robustas: oferta de trabalho, educação e lazer para jovens que hoje veem na economia ilegal sua única via de renda.
Sem esse pacote, avaliam analistas, qualquer megaoperação corre o risco de se tornar uma “cortina de fumaça” — expressão utilizada por um pesquisador ao descrever a ação desta semana. O efeito prático é amplificar o pânico e deixar a população “na linha de tiro”, nas palavras de uma organização que monitora violência armada.
O que acontece agora?
A Operação Contenção ainda estava em curso quando os primeiros balanços de mortos e presos foram divulgados. Passado o confronto, o governo estadual terá de responder a duas pressões simultâneas: preencher rapidamente o vácuo de policiamento deixado em bairros que ficaram sem patrulha e demonstrar resultados sustentáveis contra a facção alvo. A conta chega já nos próximos dias, quando comércio, escolas e sistemas de transporte exigirem funcionamento normal em um ambiente que, para muitos, segue sem a presença regular do Estado. Se o “apagão” de segurança não for revertido, o custo político da ação tende a crescer — e o crime organizado pode sair ainda mais fortalecido.
Crédito da foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Fonte das informações: Agência Brasil
 
				 
					





