Ela rastejou sob a roleta para viver: bastidores do dia de terror no Rio

“Rastejei por baixo da roleta sem olhar para trás.” O relato da professora Marise Flor resume o pânico que tomou conta do Rio de Janeiro durante a maior operação de segurança pública em 15 anos. Na terça-feira (28), 2,5 mil agentes cercaram os complexos da Penha e do Alemão, deixaram pelo menos 64 mortos, 80 presos e empurraram milhares de pessoas para um roteiro de medo, improviso e corridas por abrigo.

Por que o Rio amanheceu sitiado?

De acordo com informações oficiais, a Operação Contenção foi concebida para capturar chefes do Comando Vermelho e frear a expansão territorial da facção. O plano incluiu bloqueios simultâneos em pontos-chave da cidade, helicópteros sobrevoando as favelas e patrulhas em túneis e avenidas de alta circulação. A resposta do crime organizado veio na mesma moeda: ordens para interromper o tráfego, erguer barricadas e transformar ônibus em muralhas improvisadas.

O resultado foi um cenário inédito mesmo para uma metrópole acostumada a sobressaltos. Estações de metrô travaram, corredores BRT acumularam pessoas, e motoristas tiveram de virar nas rotatórias seguintes para não ficar no fogo cruzado. Mais de 50 ônibus acabaram atravessados nas pistas, deixando bairros inteiros isolados antes das 9h da manhã.

O detalhe que quase ninguém percebeu nas primeiras horas

Enquanto a maioria tentava compreender o motivo dos tiros, moradores de áreas fora do perímetro direto também foram afetados. A atendente de quiosque Mariana Colbert, 24 anos, grávida de quatro meses, acordou com as primeiras ruas já bloqueadas no Engenho da Rainha. Às 8h30, três coletivos já formavam uma parede metálica a poucos metros de sua casa.

“Levei uma hora para chegar ao trabalho porque o motorista precisou inventar um trajeto.”

Mariana Colbert, atendente

A jovem ainda relata que lojas baixaram as portas mesmo fora das comunidades e que, ao ser liberada às 16h, aceitara pagar mais caro em um aplicativo de transporte para não reviver o trajeto da ida. Quando retornou, a pista já estava sob controle policial, mas iluminada por sirenes em giro constante.

Como a professora transformou a estação em bunker improvisado?

O episódio de Marise Flor aconteceu no Corredor Transolímpica, na zona oeste. Ao perceber que o ônibus não avançaria pelas barricadas, ela desembarcou na estação Outeiro Santo. Minutos depois, viaturas surgiram e disparos ecoaram para dispersar quem insistia em permanecer na rua. Foi nesse intervalo que a professora se jogou ao chão e, “quase por instinto”, rolou sob a catraca para se proteger.

Dali, tentou chamar um veículo de aplicativo, mas o sinal fraco e o medo retardaram a saída. O resgate veio pelo filho, que deu volta em vários bairros para encontrá-la. “Quando entrei no carro, senti a barriga latejar e chorei sem conseguir parar”, lembra. A dor de estômago e a crise de choro foram o ponto final de uma jornada que começou como dia letivo comum.

Quais foram os números oficiais divulgados até agora?

  • 2,5 mil policiais civis e militares mobilizados.
  • 64 mortos confirmados pelas autoridades até a noite de terça.
  • 80 presos, entre suspeitos procurados e indivíduos flagrados com armas ou drogas.
  • Mais de 50 ônibus usados como barricada.

As estatísticas já superam, em letalidade, a operação no Jacarezinho (2021), que terminou com 28 mortos. Órgãos de segurança classificam a ação atual como “a mais extensa e delicada” desde então.

Impacto imediato: transporte, comércio e saúde emocional

A interrupção das principais vias afetou diretamente trabalhadores informais, entregadores e profissionais da saúde que não conseguiram chegar aos plantões. Hospitais relataram atrasos em escalas e transferências de pacientes. Nas redes sociais, choveram vídeos de plataformas de metrô lotadas e filas dobrando esquinas em terminais de ônibus.

Especialistas em mobilidade analisam que, mesmo com liberação gradual após as 16h, a cadeia logística sentirá reflexos por mais alguns dias. A rede de supermercados onde Mariana trabalha, por exemplo, permaneceu parcialmente fechada por falta de funcionários em pelo menos duas filiais, segundo ela.

Por que a operação foi considerada “a mais letal”?

Fontes da área de segurança alegam que o alto número de vítimas está ligado à presença de líderes armados em pontos estratégicos das comunidades. Já organizações sociais questionam o planejamento e cobram investigação sobre possíveis excessos. O debate deve ganhar espaço em audiências públicas nas próximas semanas, segundo entidades que atuam em direitos humanos.

O que acontece agora? Possíveis próximos passos do governo

Em pronunciamentos nas últimas horas, representantes do governo estadual indicaram três etapas:

  1. Manutenção do efetivo ampliado nos complexos da Penha e do Alemão “pelos próximos dias”.
  2. Mapeamento de novas rotas de fuga usadas pelo Comando Vermelho para avaliar mais bloqueios.
  3. Abertura de canal específico para moradores denunciarem barricadas e ameaças sem se identificarem.

Além disso, uma reunião de emergência entre ministros e o governador foi agendada, sinalizando que a esfera federal acompanha de perto os desdobramentos. A expectativa é de que relatórios prévios sobre a operação sejam divulgados para ajustar protocolos e reduzir o risco de novos confrontos com grande número de civis expostos.

O impacto real: por que esse dia ainda reverbera

Para quem ficou preso em filas intermináveis ou se viu deitado no chão frio de uma estação, a terça-feira não terminará tão cedo. A professora Marise resume a sensação coletiva: “Não é só chegar em casa. É entender se amanhã vou precisar rastejar de novo”. Enquanto a cidade contabiliza danos e retoma a rotina, a operação reacende um debate antigo: como equilibrar combate ao crime e proteção da população em áreas densamente povoadas.

Nos próximos dias, o foco deve recair sobre a efetividade das prisões realizadas e sobre como o transporte público se reorganizará para impedir novo colapso caso outra ação de grande porte seja deflagrada. Até lá, relatos como os de Marise e Mariana permanecem ecoando como lembrete de que, para muitos cariocas, sair de casa continua sendo um ato de coragem diária.

Crédito da foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Fonte das informações: Agência Brasil

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo