Risco de perder a fazenda? Juiz suspende títulos em faixa de fronteira.

A Justiça Federal ordenou a suspensão imediata de todos os novos títulos de propriedade rural localizados na faixa de fronteira de Roraima, colocando em xeque cerca de 1,7 mil registros já emitidos sem aval federal.

O que levou a Justiça a intervir agora?

A decisão foi provocada por uma ação do Ministério Público Federal (MPF) que apontou irregularidades na atuação do Instituto de Terras e Colonização de Roraima (Iteraima). Segundo o MPF, o órgão estadual vinha chancelando títulos rurais em áreas estratégicas sem obter a indispensável anuência prévia do Conselho de Defesa Nacional (CDN), instância consultiva ligada à Presidência da República responsável por tudo que envolve a faixa de até 150 quilômetros das fronteiras brasileiras.

O volume de autorizações questionadas chama atenção: aproximadamente 1,7 mil títulos foram emitidos “nos últimos anos”, de acordo com o MPF. O número, ainda que não indique uma data exata de início da prática, evidencia um padrão que, para o órgão de controle, viola a legislação fundiária e ameaça a soberania sobre uma das regiões mais sensíveis do País, vizinha à Venezuela.

O juiz responsável determinou que o Estado siga, daqui em diante, a Instrução Normativa nº 122/2022 do Incra, norma que detalha os passos obrigatórios para qualquer concessão ou doação de terras em zona de fronteira. A medida judicial é, portanto, um freio de arrumação que subordina todo o processo estadual ao protocolo federal.

Quais são os riscos para quem já recebeu o título?

Para agricultores, pecuaristas e investidores que obtiveram títulos sem o aval federal, o desdobramento imediato é a insegurança jurídica. Enquanto não houver uma validação expressa do CDN, esses documentos permanecem, na prática, suspensos. Sem a regularidade plena, os proprietários podem enfrentar:

  • Dificuldade de acesso a crédito rural: bancos exigem garantias sólidas para liberar financiamentos de custeio ou investimento.
  • Restrição a investimentos de longo prazo: projetos de infraestrutura, como irrigação ou armazenagem, ficam congelados.
  • Problemas em transações imobiliárias: a venda parcial ou total do imóvel rural tende a travar até que se esclareça a situação dominial.

Na prática, produtores seguem operando, mas qualquer nova operação que dependa da segurança do título — hipoteca, arrendamento, compra e venda — fica sob forte escrutínio de cartórios, instituições financeiras e do próprio mercado.

Entenda a faixa de fronteira: por que tanta exigência?

A Constituição e a legislação infraconstitucional consideram a faixa de 150 quilômetros a partir da linha limítrofe internacional um território de interesse estratégico. O objetivo é preservar a integridade nacional, evitar grilagem transnacional e prevenir a entrada de capital estrangeiro não autorizado em áreas sensíveis. Por isso, qualquer concessão precisa passar pelo CDN, que avalia implicações de defesa, segurança e desenvolvimento regional.

Em Roraima, esse cuidado ganha peso extra. Estados amazônicos costumam concentrar conflitos fundiários, pressões de garimpo ilegal e questões humanitárias relacionadas a fluxos migratórios. Um título emitido sem o crivo federal não é apenas um problema burocrático: pode abrir brecha para disputas territoriais e disputas judiciais que se arrastam por anos.

Como fica a atuação do Iteraima?

O instituto estadual, responsável pela política fundiária local, precisará readequar rotinas e, possivelmente, revisar todos os processos de títulos já emitidos. Há expectativa de que o órgão apresente um plano de regularização alinhado às exigências federais, mas, até o momento, não houve manifestação oficial — a Agência Brasil informou ter solicitado posicionamento e aguarda resposta.

Especialistas em direito agrário apontam que a revalidação título a título pode ser trabalhosa. Será necessário:

  1. Mapear as propriedades afetadas e o estágio de documentação de cada uma.
  2. Encaminhar os processos ao CDN para análise retroativa.
  3. Corrigir eventuais incompatibilidades cartográficas ou ambientais.

Para o produtor, o cenário ideal é que o CDN avalie em bloco os 1,7 mil processos, acelerando a regularização. Caso contrário, o trâmite individualizado pode levar meses ou anos.

Impacto econômico: quem perde e quem ganha?

Roraima vive uma expansão agropecuária impulsionada pela oferta de terras planas e clima favorável. A suspensão dos títulos, entretanto, tende a frear temporariamente essa curva de crescimento. Setores que dependem de novos projetos de grãos, pecuária intensiva ou silvicultura podem adiar planos de expansão até que a situação se estabilize.

Por outro lado, a decisão judicial fortalece a imagem institucional do estado perante investidores de longo prazo, que valorizam segurança jurídica. Ao cumprir as regras federais, Roraima sinaliza compromisso com boas práticas fundiárias, o que, no médio prazo, reduz riscos de judicialização e confere atratividade ao mercado de terras legalmente consolidadas.

O que produtores podem fazer agora?

Advogados especializados orientam algumas ações imediatas para quem foi impactado:

  • Aguardar notificação oficial: o Iteraima deverá comunicar formalmente cada titular sobre os próximos passos.
  • Reunir documentação: mapas, georreferenciamento, registros e protocolos de requerimento serão fundamentais para eventual revalidação.
  • Evitar investimentos de alto valor até que haja confirmação sobre a regularidade do título.
  • Monitorar publicações oficiais: eventuais editais de chamamento, prazos e instruções podem ser divulgados no Diário Oficial.

Qual o papel do Incra daqui em diante?

Ao determinar que o Estado siga a Instrução Normativa nº 122/2022, a Justiça colocou o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na linha de frente do processo. Caberá ao Incra consolidar diretrizes técnicas, validar documentos apresentados e, se necessário, orientar ajustes cartográficos para adequação às normas geoespaciais federais.

Esse alinhamento federal-estadual será crucial para reduzir sobreposição de competências e acelerar o trânsito dos processos. Se bem conduzido, o intercâmbio de dados entre Iteraima e Incra pode agilizar a fila de aprovação do CDN, beneficiando produtores que atuam de boa-fé.

O que acontece agora?

A decisão liminar de suspensão segue valendo até que o mérito da ação seja julgado. Isso significa que novos títulos permanecem bloqueados, enquanto os antigos aguardam revalidação. O ritmo dessa análise dependerá da capacidade do Iteraima de reunir informações e da agilidade do CDN em examiná-las.

Se a sentença final confirmar a liminar, o novo procedimento — com chancela federal obrigatória — passa a ser regra permanente em Roraima. Caso contrário, há a possibilidade de desbloqueio, mas, mesmo assim, fontes do setor avaliam que o Estado dificilmente voltará a emitir títulos sem antes cumprir integralmente as etapas federais.

Para quem atua na cadeia do agronegócio, a lição é clara: a segurança jurídica deve preceder qualquer investimento em áreas de fronteira. A Justiça demonstrou intolerância a atalhos que ignorem a legislação. O mercado fundiário de Roraima — e, por extensão, o de toda a Amazônia — entra em fase de purificação regulatória. Produtores, compradores e financiadores que alinharem suas estratégias a esse novo paradigma tendem a colher benefícios no longo prazo.

Crédito da foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Fonte das informações: Agência Brasil

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