64 mortos em 24h: por que a maior ação policial do Rio choca o país

64 corpos em menos de 24 horas. O número, ainda provisório, transformou a Operação Contenção na ação policial mais letal da história do Rio de Janeiro e paralisou a capital fluminense nesta terça-feira (28). Com 2,5 mil agentes cercando os complexos do Alemão e da Penha, o dia foi marcado por barricadas em chamas, vias bloqueadas e serviço público interrompido.

Como a Operação Contenção parou o Rio logo cedo?

O relógio ainda marcava o início da manhã quando blindados da Polícia Militar e da Polícia Civil avançaram sobre as principais entradas dos dois complexos. A ofensiva, segundo o governo estadual, tinha como objetivo “cumprir mandados de prisão” e “frear o crescimento do Comando Vermelho”. Na prática, moradores enfrentaram tiroteios prolongados, dificuldade de locomoção e suspensão de aulas em escolas, universidades e creches. Hospitais da região funcionaram em regime de contingência para proteger pacientes e funcionários.

Passageiros lotaram pontos de ônibus e estações de metrô em busca de rotas alternativas. Imagens de barricadas improvisadas e de veículos incendiados se multiplicaram nas redes sociais, ampliando a sensação de cidade sitiada.

Por que o número de mortos já é recorde absoluto?

Ao cair da noite, a Secretaria de Segurança confirmava 64 mortos, entre civis e militares. Fontes internas admitem que o total pode crescer à medida que buscas avançam em áreas de mata. Até então, a marca mais alta pertencia à operação no Jacarezinho, em 2021, que deixou 27 civis mortos. Especialistas apontam dois fatores para a escalada: o elevado efetivo mobilizado e a extensão geográfica do teatro de operações — duas favelas contíguas que, juntas, abrigam centenas de milhares de moradores.

“Chama a atenção os corpos negros algemados, jogados no chão da favela. A polícia não age assim na Zona Sul.”

Fransérgio Goulart, diretor da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial

O que dizem as vozes das favelas sobre a estratégia policial?

Para lideranças comunitárias, a operação representa uma “guerra não declarada” contra populações negras e pobres. Fransérgio Goulart, militante histórico do movimento de favelas, criticou a narrativa que separa mortos em “bandidos ou inocentes” e lembrou que, em qualquer democracia consolidada, 64 mortes em um único dia gerariam comoção nacional. Segundo ele, o governador Cláudio Castro “passa ileso” enquanto a política de segurança “executa” dezenas de pessoas.

A percepção de violência seletiva se estende além das fronteiras do Alemão e da Penha. Uma nota conjunta assinada por 27 organizações da sociedade civil, entre elas Anistia Internacional Brasil, Justiça Global e Observatório de Favelas, afirma que “segurança pública não se faz com sangue” e denuncia a consolidação de uma estratégia baseada no uso da força letal há quase quatro décadas.

“Sob o pretexto da guerra às drogas, instala-se um estado de insegurança permanente voltado contra a população negra e pobre das favelas.”

Comunicado das 27 organizações

Bilhões de reais: investimento em segurança ou produção de morte?

O debate sobre custos ganhou fôlego após a divulgação do orçamento previsto para as polícias em 2026: R$ 19 bilhões. Para Goulart, o montante sustenta “uma política de produção de morte” em vez de financiar inteligência e prevenção. Ele questiona o impacto financeiro indireto de um dia de caos — transporte paralisado, empresas fechadas e atendimento médico comprometido. Economistas ouvidos em análises preliminares lembram que operações de grande porte pressionam o caixa do Estado com horas extras, manutenção de blindados, munição especial e indenizações futuras.

Enquanto isso, moradores contabilizam perdas imediatas: comércio fechado, aulas canceladas, consultas médicas reagendadas e o trauma psicológico de viver sob fogo cruzado.

O governador responde: “Se preciso, vou além das minhas competências”

Em pronunciamento, Cláudio Castro defendeu a Operação Contenção e cobrou “mais apoio federal” no combate a facções que também atuam em outros estados. Ele prometeu “exceder limites” se considerar necessário para “servir e proteger” a população fluminense. Nos bastidores, governadores vizinhos acompanham o desfecho porque a movimentação de criminosos pode deslocar o conflito para regiões limítrofes.

Ao mesmo tempo, Ministério Público Federal e Defensoria Pública da União solicitaram explicações oficiais sobre planejamento, proporcionalidade e respeito a protocolos de direitos humanos. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, disse não ter recebido pedido formal de apoio, mas a discussão sobre eventual intervenção federal voltou a circular nos corredores de Brasília.

Risco de canetaço em Brasília: o que pode acontecer agora?

Investigações paralelas: órgãos de controle avaliam abrir inquéritos sobre execuções sumárias, desaparecimentos e danos patrimoniais denunciados por moradores.
Judicialização: petições no Supremo Tribunal Federal buscam limitar operações em favelas sem plano de redução de risco para civis.
Pressão internacional: entidades de direitos humanos já articulam dossiês para a ONU e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Revisão de estratégia: especialistas em segurança sugerem reforço na inteligência policial e integração com políticas sociais de médio prazo.

O que significa, na prática, a maior operação policial do Rio?

Para quem mora fora das favelas, o episódio acende o alerta sobre a fragilidade do modelo de segurança pública baseado em confrontos. No curto prazo, a tendência é de novas investidas policiais, fuga de lideranças do tráfico para outras áreas e aumento da tensão em comunidades vizinhas. No médio prazo, o debate político gira em torno do orçamento de R$ 19 bilhões e da transparência nos resultados: quantos mandados cumpridos? Qual o impacto real sobre o poder financeiro das facções? Enquanto essas respostas não vêm, crianças permanecem sem aula e trabalhadores encaram deslocamentos arriscados diariamente.

Conclusão de Impacto: quem paga a conta?

A Operação Contenção deixa o Rio de Janeiro diante de uma equação explosiva: alto investimento estatal, recorde de mortes e nenhuma garantia de pacificação duradoura. Se confirmada a tendência de ações cada vez mais letais, cresce o risco de desgaste político para o governo estadual e de intervenção judicial para conter abusos. Para moradores do Alemão e da Penha, no entanto, o dilema é imediato: sobreviver ao próximo amanhecer sem saber se haverá nova troca de tiros, se o ônibus vai passar e se o direito básico de ir e vir deixará de ser privilégio.

Crédito da foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Fonte das informações: Agência Brasil

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