Por que Lula mobilizou três ministérios antes de decidir sobre nova intervenção no RJ

A decisão de Luiz Inácio Lula da Silva de despachar três ministros e o diretor-geral da Polícia Federal para o Rio de Janeiro, menos de 24 horas depois da operação policial mais letal já registrada no estado, vai muito além de um gesto de solidariedade. Nos bastidores do Planalto, a viagem relâmpago é vista como uma “auditoria de campo” — um movimento calculado para coletar provas próprias, conter a pressão por uma nova Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e, sobretudo, assumir o controle narrativo antes que a crise de segurança contamine o Congresso e o eleitorado.

Missão dupla: perícia federal e blindagem política

Durante três horas de reunião no Palácio da Alvorada, Lula ouviu relatos de Ricardo Lewandowski (Justiça), Macaé Evaristo (Direitos Humanos) e Anielle Franco (Igualdade Racial) sobre os desdobramentos imediatos da Operação Contenção, responsável por mais de 130 mortos nos complexos do Alemão e da Penha. Ao final, a orientação foi clara: “levem peritos criminais e médicos legistas da PF e da Força Nacional”. Em outras palavras, produza-se um laudo paralelo — técnico, federal e revestido de credibilidade — capaz de confrontar a versão de “operação bem-sucedida” defendida pelo governador Cláudio Castro.

Esse envio de especialistas federais tem peso simbólico e prático. Simbolicamente, sinaliza que Brasília não aceitará números, causas de morte ou protocolos de abordagem sem validação externa. Na prática, dá ao governo ferramentas jurídicas para frear, se necessário, pleitos pela GLO ou por intervenção federal, argumentos que tendem a surgir sempre que o Rio mergulha em episódios de violência extrema.

O que está em jogo: evitar o efeito dominó da GLO

Ainda que Castro não tenha solicitado oficialmente a GLO, o tema voltou ao radar político tão logo as imagens de barricadas em chamas e bloqueios de ruas invadiram as redes. E aí reside o “porquê oculto” da viagem ministerial: se o Planalto aceita a GLO sem dados sólidos, reabre-se a porta para repetir a experiência de 2018, quando a intervenção federal driblou os cofres estaduais, mas acabou cobrada em Brasília. Se recusa, corre o risco de ser acusado de omissão.

Ao montar seu próprio dossiê técnico — somado a relatórios de inteligência da PF que já rastreiam a atuação de facções — Lula ganha tempo para a decisão. Tempo, neste caso, significa espaço político: enquanto peritos trabalham, bancada da bala, governadores de oposição e lideranças do Judiciário aguardam números oficiais que sustentem ou fragilizem o discurso de “combate efetivo ao crime organizado”.

A disputa pela narrativa: sucesso operacional × tragédia humanitária

Em coletiva pela manhã, Castro classificou a ação como “um sucesso”, lamentando apenas as quatro mortes de policiais. O contraste com relatos de moradores, que ainda retiram corpos da mata, produziu um vácuo de credibilidade que o governo federal tenta agora ocupar. Um integrante do Planalto resume: “Quem apresentar primeiro a versão tecnicamente incontestável vai ditar o tom da CPI que já se articula”.

Nesse cenário, a presença de Macaé Evaristo e Anielle Franco não é acessório. Direitos Humanos e Igualdade Racial entram como lentes para dimensionar o impacto sobre civis, majoritariamente negros e moradores de periferia. Ao fazer isso, Brasília sinaliza tanto à sociedade civil quanto aos organismos internacionais que o massacre não ficará restrito ao âmbito da segurança pública estadual.

O fator presídio federal: recado silencioso ao Comando Vermelho

Outro ponto decisivo: ainda na terça-feira, Rui Costa (Casa Civil) autorizou a transferência de 10 detentos para presídios federais. A medida atende pedido de Castro, mas também envia recado ao comando do crime: a União detém a chave dos presídios de segurança máxima. O pacote de deslocamentos, combinado com a oferta de perícia federal, reforça a posição de que o governo central está disposto a agir — porém nos seus próprios termos.

Por que o timing importa agora?

Ao marcar a audiência para as 15h — horário em que ministros chegam ao Rio — o Planalto comprime a janela de repercussão negativa. Discurso alinhado, fotos oficiais e agendas conjuntas congelam a narrativa em torno de “ação coordenada” antes mesmo de os enterros começarem. Nos dias seguintes, laudos preliminares de peritos federais podem minar ou validar a tese de confronto prolongado, número de disparos e até mesmo eventual excesso de força.

  • Se os laudos indicarem execução ou uso de munição proibida, cresce a chance de responsabilização de comandantes estaduais e de abertura de inquéritos federais.
  • Se confirmarem tiroteio prolongado, Castro fortalece o discurso de sucesso tático — mas terá de explicar a escalada de vítimas civis.
  • Em ambos os cenários, o Planalto sustenta que atuou preventivamente, mantendo a prerrogativa política sobre qualquer solução extrema como a GLO.

O que diz a história recente sobre intervenções no Rio

Desde 1992, o Rio viu pelo menos cinco grandes operações federais ou de Garantia da Lei e da Ordem. Em todas, a justificativa foi igual: “crise de segurança incontrolável”. Estudos acadêmicos apontam que, passados os primeiros meses de ocupação, indicadores de violência retornam ao patamar anterior ou até pioram. Esse retrospecto alimenta a cautela de Lula. Aceitar nova GLO sem auditoria própria seria abraçar um remédio cujo efeito colateral já se conhece: alto custo militar e mínimo retorno estrutural.

E se o pedido de GLO chegar?

Lewandowski confirmou que, até o momento, a solicitação não foi protocolada. Caso chegue, caberá a Lula a palavra final. Nos bastidores, a equipe jurídica prefere condicionar qualquer decisão às conclusões dos peritos federais e a um “plano emergencial” de melhoria da inteligência — algo que pode ser anunciado sem necessidade de decreto. Assim, o governo preserva a narrativa de ação firme, mas evita o desgaste de mobilizar Forças Armadas para patrulhar favelas.

O que acontece agora?

Nas próximas horas, a equipe de Lewandowski deve começar a colher depoimentos de moradores, enquanto peritos da PF analisam balística e legistas atuam na identificação de corpos. A depender dos resultados preliminares, o Planalto pode:

  1. Endossar pedido de transferência adicional de presos para o sistema federal.
  2. Determinar reforço permanente da Força Nacional em pontos críticos — alternativa de “meio termo” à GLO.
  3. Sugerir ao Congresso mudanças na legislação de operações em áreas densamente povoadas, medida já debatida por parlamentares.

‘Próximos passos’: a crise define quem comandará a segurança no ano eleitoral

Mais do que apontar culpados por uma única operação, a missão de Lula é decidir se o governo federal assumirá papel protagonista ou permanecerá como avalista de ações estaduais. A escolha repercutirá em 2026: se a violência persistir, qualquer passo dado hoje poderá servir de trunfo ou munição eleitoral. Por isso, cada laudo produzido, cada reunião agendada e cada declaração pública dos ministros não mira apenas o noticiário imediato — traça a linha entre intervenção e autonomia que definirá a política de segurança no país pelos próximos anos.

Crédito da Tânia Rêgo/Agência Brasil

Fonte das informações: Agência Brasil

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