Parto sem dor: missão baiana na França promete virar o jogo das cesáreas

Uma diferença de 40 pontos percentuais separa o Brasil da França quando o assunto é cesárea. Enquanto o país europeu estabilizou o indicador em torno de 20%, o Brasil segue com cerca de 60% – a segunda maior taxa do planeta. Com a missão de mudar esse cenário, uma delegação baiana desembarcou em dois dos centros de parto humanizado mais respeitados da França e voltou com um cronograma: adaptar o modelo de analgesia peridural à rede pública do estado já a partir de 2026.

Por que a Bahia cruzou o Atlântico atrás de novas práticas?

A viagem, articulada pela Secretaria da Saúde da Bahia (Sesab), aconteceu a convite da Embaixada da França no Brasil. À frente do grupo, o subsecretário Paulo Barbosa visitou a Maternidade Denis Mukwege, no Centro Hospitalar Universitário (CHU) de Angers, e o CHU de Lille, ambos referências mundiais em parto natural com analgesia. Além do governo baiano, integraram a comitiva pesquisadores da Fiocruz, do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA e representantes das secretarias de saúde do Rio de Janeiro e de Fortaleza.

O foco foi entender, in loco, como a analgesia peridural é oferecida ainda no pré-natal, transformando dor em escolha e não em destino. Na avaliação de Barbosa, o contato direto com equipes francesas “encurtou o caminho” para aplicar protocolos que conciliam conforto materno, segurança neonatal e redução de intervenções cirúrgicas desnecessárias.

Analgesia peridural: como a técnica derruba o medo e as cesáreas

No modelo francês, a analgesia é apresentada à gestante como opção desde as primeiras consultas. Quando a mulher aceita, a equipe define o momento ideal para iniciar o bloqueio peridural durante o trabalho de parto, preservando sensibilidade suficiente para que ela participe ativamente do nascimento. O resultado reflete-se nas estatísticas: a França mantém as cesáreas em torno de 20%, patamar considerado de equilíbrio pelos órgãos internacionais de saúde.

Já no Brasil, três em cada cinco partos terminam em cirurgia. Boa parte das mulheres teme a dor do parto vaginal e acaba optando pelo procedimento cirúrgico – muitas vezes sem indicação clínica. Ao oferecer analgesia segura e protocolada, o plano baiano pretende tornar o parto natural uma experiência menos dolorosa e, consequentemente, mais escolhida.

“No Brasil, muitas mulheres recorrem à cesariana apenas pelo medo da dor. Queremos mudar essa realidade e ampliar o direito à escolha.”

Paulo Barbosa, subsecretário da Saúde da Bahia

Sete maternidades vão testar o modelo a partir de 2026

De volta ao Brasil, a Sesab costura sua adesão ao Projeto de Cooperação Internacional capitaneado pela Fiocruz-RJ e pelo ISC-UFBA. O primeiro ciclo prevê sete maternidades baianas como laboratório. Os nomes das unidades ainda não foram divulgados, mas a escolha considerará critérios como número de partos, infraestrutura de anestesia e capacidade de treinamento de equipes multiprofissionais.

Antes disso, profissionais franceses desembarcam em solo baiano para alinhas protocolos, revisar fluxos de atendimento e planejar oficinas práticas. A visita, programada para ocorrer ainda este ano, marca a transição do estudo de campo para a implementação.

O que muda para gestantes, médicos e sistema público?

  • Para as gestantes: a dor deixa de ser fator determinante na escolha do tipo de parto, criando um ambiente onde a decisão é baseada em evidência e desejo pessoal.
  • Para as equipes médicas: haverá padronização de condutas, com foco em analgesia peridural de baixo risco e na monitorização contínua da mãe e do bebê.
  • Para o SUS baiano: espera-se diminuir complicações pós-operatórias e custos associados à cesárea, liberando leitos cirúrgicos e fortalecendo políticas de humanização.

Especialistas lembram que a cesariana, embora segura quando necessária, traz riscos adicionais de hemorragia, infecção e recuperação prolongada. “Cada procedimento evitado representa um ganho para a saúde materno-infantil e para o orçamento público”, sintetiza uma pesquisadora da Fiocruz que participou da missão.

Dentro das maternidades francesas: o que a comitiva observou?

Durante dois dias intensos de imersão no CHU de Angers, a equipe brasileira acompanhou etapas do atendimento que vão do pré-natal ao pós-parto imediato. Chamaram atenção:

  1. Ambiente humanizado: suítes individuais, banheiras e iluminação amena compõem um cenário pensado para reduzir o estresse materno.
  2. Protagonismo feminino: a mulher decide posição, ritmo e companhia durante o parto; a analgesia é ajustada em tempo real.
  3. Equipe multidisciplinar: obstetras, anestesistas, enfermeiras e fisioterapeutas trabalham em sala integrada, onde a comunicação é prioridade.

No CHU de Lille, as rotinas são semelhantes, mas o hospital demonstra como adaptar o protocolo a realidades de maior volume assistencial, algo mais próximo dos hospitais brasileiros.

Quais os desafios para replicar o sucesso francês?

Especialistas destacam três gargalos: formação de anestesistas, infraestrutura de monitorização e mudança cultural. Embora a Bahia possua centros de referência, nem todas as maternidades dispõem de bombas de infusão, cateteres especiais ou protocolos atualizados. O projeto de cooperação prevê módulos de capacitação e transferência de tecnologia para contornar esses obstáculos.

Outro ponto é a sensibilidade dos profissionais de saúde. Estudos mostram que o incentivo explícito ao parto vaginal por parte de médicos e enfermeiros impacta diretamente na escolha materna. Assim, campanhas educativas internas devem caminhar junto com a atualização técnica.

Próximos passos: quando a mudança chega à sala de parto?

O cronograma inicial estabelece 2026 como marco para o início das operações piloto. Até lá, a Sesab trabalhará em três frentes:

  • Adaptação de protocolos – alinhamento de diretrizes clínicas, fluxos de segurança e critérios de elegibilidade para analgesia.
  • Treinamento – cursos práticos e simulados em parceria com especialistas franceses.
  • Monitoramento de indicadores – metas de redução de cesáreas, registro de eventos adversos e satisfação das usuárias.

Se a taxa de cesariana nas unidades-piloto recuar significativamente, o modelo será ampliado para outras regiões do estado, transformando a Bahia em vitrine nacional do parto humanizado com analgesia.

O que isso significa para o debate nacional sobre cesáreas?

O Brasil discute há anos estratégias para conter a epidemia de cesarianas, mas resultados concretos ainda são tímidos. Ao apostar em um protocolo que combina analgesia peridural acessível, autonomia feminina e capacitação multiprofissional, a Bahia coloca pressão positiva sobre outros estados e fortalece o argumento de que a solução passa por políticas públicas estruturadas, e não apenas por campanhas de incentivo.

Em última instância, cada cesariana evitada representa menor risco para mães e bebês, além de economia de recursos que podem ser reinvestidos em assistência pré-natal e neonatal. Se o projeto baiano cumprir a promessa, o país terá um case doméstico capaz de redefinir a curva de nascimentos cirúrgicos.

E agora?

Nas próximas semanas, Sesab e Fiocruz finalizam a lista das sete maternidades que abrirão a fase de implementação. Paralelamente, o material coletado em Angers e Lille será traduzido em manuais técnicos e conteúdos de capacitação online. Até o fim do ano, a chegada da equipe francesa à Bahia deverá selar o plano operacional. Para gestantes que sonham com um parto menos dolorido – e para o sistema de saúde que arca com o custo das cesáreas – o relógio já está correndo.

Crédito da foto: Ascom/Sesab

Fonte das informações: Ascom/Sesab

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